ANÁLISE DA MÚSICA AMOR E SEXO – DE RITA LEE
* Evanilde Miranda
nildy_letras@hotmail.com
O título traz duplicidade de sentido. Primeiro, sugere um adição, uma soma de amor e sexo. Segundo, remete à distinção desses dois elementos.
Em “amor é um livro” a presença de uma implícita comparação, ou seja, uma ideia metaforizada do amor. O amor é comparado a um livro, ao literário, relacionado a mente, ao pensar. Para conhecer seu conteúdo é necessário lê-lo. Ler é compreender códigos. Só conhece o amor aquele que o vivenciou. Já o sexo, é posto em analogia ao esporte, não é voltado para a mente, mas para o corpo, para o ato físico. Sexo é escolha, pois se escolhe com quem ter relações sexuais, diferente do amor, que escolhe quem será objeto de nossos sentimentos. Como nem todos conseguem ter o par ideal, a sonhada “alma gemia”, aquele que consegue ser agraciado pelo amor desfruta de grande sorte.
Amor é pensamento, teorema. O que mais se faz quando se está amando é pensar na pessoa amada. Mas o pensar aqui não é apenas lembrar, sonhar, é também, o pensar como reflexão, prudência, cuidado. Quem ama cuida. É teorema, é teoria, é o complicado, logo, é aquilo que precisa ser demonstrado. Nem mesmo os poetas conseguem explicar de forma clara a complexidade do que é o amor. Quem ama não consegue explicar os sentimentos, por isso, faz questão de exteriorizar o sentimento. No sexo, o pensamento/reflexão atrapalha, só as fantasias ajudam.
Amor é novela, é romance, é sentimento, é conflito. O amor é para ser sentido. O sexo, entretanto é comparado ao cinema. Cinema remete à sala, ao reservado, no sentido de íntimo, e também à arte (habilidade é o fazer). É para a satisfação, para o prazer. O cinema é momentâneo, mais curto que a novela, semelhante a ele é o sexo, que é executado em breves momentos. Já o amor, não é uma prática, uma ação, um fazer que só existe a cada momento em que é realizado, o amor é um sentimento duradouro, preservado por aquele que o detém.
Sexo é imaginação, é concentração, é fantasia, pois não se faz sexo pensando em um poste, se faz imaginando coisas que estimule e concretize sua prática. Já o amor, é prosa, é diálogo, bate-papo, conversa. O amor é percebido como o espontâneo, que acontece sem que tenhamos domínio ou escolha. Não nos programamos para amar, nem sabemos a quem vamos amar. Diferente é o sexo, análogo a poesia, é o encanto, é o fazer. Os parceiros são escolhidos pelo encanto, pela atração, pelo desejo do sexo, e para esse fim.
O amor nos torna patéticos. Quando amamos agimos feito bobos, somos romanticamente ridículos, pois o amor nos torna sensíveis, mais sentimentais. O sexo, no entanto, é semelhante a um local aberto, pois não busca amarras, nem vive sob regras. . Epilepsia é uma doença. A referência a epiléticos remete ao estado físico e mental no momento de prazer. Um ataque epilético provoca convulsões, descontrole, tira os sentidos, semelhante ao ápice do prazer sexual. Assim como a doença, somos vítimas não do amor, mas do sexo, que domina nossos sentidos. Para ele ficamos entregues de corpo e mente. Para o amor entrega-se “de corpo e alma”.
O sentido de sexo e amor são misturados nesse verso, que sugerem uma ideia de soma, imprimindo a importância da harmonia desses dois elementos. Remetendo à expressão “fazer amor” com sentido de fazer sexo. Amor e paixão/atração assumem sentido muito próximos. Isto porque quando se ama, perde-se o controle da situação, igualmente, na paixão e no ato sexo, caracterizados pelo descontrole, seja das emoções, seja do físico no ápice do prazer.
O amor é cristão, é a lei de Deus, amar a todos como a si mesmo. O amor é redentor. Por meio dele o homem pecador se reaproxima do criador. Enquanto que o sexo é pagão, não se preocupa em redimir, ele é o que quebra regras, sempre buscando o proibido das fantasias, pois toda fantasia é proibida. O sexo busca a satisfação total, é a vontade de tornar tudo possível. Nesse sentido, o amor pode atrapalhar o sexo, porém, o sexo não atrapalha o amor, visto que é um complemento.
O amor é latifúndio, é propriedade, é casa, no sentido de proteção também de limite, pois o amor tem suas regras. Quando duas pessoas se amam elas são uma da outra, se pertencem. Elas se sujeitam à não traição. Isto remete ao texto bíblico de Cantares de Salomão “Eu sou do meu amado e o meu amado é meu”. Assim, o amor remete à exclusividade, à fidelidade um ao outro para preservar o sentimento. É mais voltado para a alma, as emoções, o completar-se. Mas o sexo, é invasão, é um “entrar no outro”, é a posse, o domínio para o simples prazer físico. O sexo não busca sentimentalismo, mas satisfação. Assim, ele não idealiza, mas é realista.
Amor é divino, porque Deus é amor. De acordo com a crença cristã, Ele deu seu único filho para redimir a humanidade. Por meio desse ato, tornou-se a maior representação de amor na qual os homem podem se espelhar. O texto bíblico no livro de Coríntios remete a esse modelo de amor, quando diz que o amor tudo sofre, tudo crê, tudo suporta, tudo espera. O amor é, portanto, doação.
Contrariamente, o sexo é animal. Os animais não se relacionam por amor, eles têm necessidades sexuais, que são supridas a partir da acasalamento por instintos. Por amor, se sofre, mas ninguém sofre pelo prazer sexual. Amor não é sentimento, é ação. O sexo é associado aos instintos nesse sentido de que, no sexo não é o amor que reina, mas o desejo carnal, a vontade de satisfazer as necessidades físicas.
Amor é bossa nova, é música, é embalo, é ritmo. O amor é o que dá sentido à vida, o amor é o próprio sentido da vida. Já o sexo, é carnaval, é folia, diversão, é prazer físico. Mas o amor sem sexo é amizade. Um romance sem o contato mais íntimo é comparado com a amizade, pois pode se gostar de muitas pessoas, mas é o tipo de sentimento que diferenciará o que essa pessoa representa para alguém. O sexo sem amor é somente vontade, desejo físico. Desse forma, se percebe a necessidade de sexo e amor estarem presentes em uma relação, apesar de serem duas coisas totalmente diferentes.
Amor é um porque quando duas pessoas se amam elas procuram estar em harmonia, elo, ligação de corpo e alma. Sob essa ótica, esse um também se aplica na relação sexual, pois com amor ambos são “uma só carne”. O sexo, contudo, é dois, ninguém faz sexo sozinho, mesmo na masturbação é preciso pensar no outro para estimular os desejos. Sexo é antes porque é o desejo primeiro, é movido pela vontade, que acontece independente de sentimentos. O amor é depois, é pelo conhecer, pelo admirar, que ele se manifesta em virtude de coisas relativas aos próprios sentimentos.
O sexo vem dos outros, pois é o “entrar no outro”, é o “colocar dentro/penetração”, é a própria “invasão”. O ato em si não fica, é apenas uma ação daquele momento e pronto. O amor, porém, vem de dentro, do coração, da alma, é o sentimento, e fica. O amor é desprovido de brevidades, por isso quando se ama acredita-se que o amor é eterno.
Essa composição possui forte caráter literário, visto que é cheia de metáforas por meio de palavras que fazem parte do cotidiano, como cinema, esporte, etc, utilizadas para apresentar as diferenças existentes entre o amor e o sexo. Enquanto o sexo é apresentado como algo voltado para o físico, para o instinto, satisfação total, o amor está mostrado como aquele que se volta para a vida para o outro. É cuidado, sentimento da alma.
Desse modo, ao longo da composição é possível compreender que tanto amor quanto sexo são coisas boas, mas juntos são ainda melhores, pois é assim que estabelece um equilíbrio, um harmonia. Clarifica-se então, o duplo sentido do título. Tendo a ideia de distinção entre sexo e amor e também de soma, visto que o amor sem sexo é associado a amizade, e sexo sem amor, emblemático do animalesco, do instintivo, tendo em vista a ausência de sentimento.
MÚSICA - AMOR E SEXO
Amor é um livro
Sexo é esporte
Sexo é escolha
Amor é sorte
Sexo é esporte
Sexo é escolha
Amor é sorte
Amor é pensamento, teorema
Amor é novela
Sexo é cinema
Amor é novela
Sexo é cinema
Sexo é imaginação, fantasia
Amor é prosa
Sexo é poesia
Amor é prosa
Sexo é poesia
O amor nos torna patéticos
Sexo é uma selva de epiléticos
Sexo é uma selva de epiléticos
Amor é cristão
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão
Amor é divino
Sexo é animal
Amor é bossa nova
Sexo é carnaval
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão
Amor é divino
Sexo é animal
Amor é bossa nova
Sexo é carnaval
Amor é para sempre
Sexo também
Sexo é do bom…
Amor é do bem…
Sexo também
Sexo é do bom…
Amor é do bem…
Amor sem sexo,
É amizade
Sexo sem amor,
É vontade
É amizade
Sexo sem amor,
É vontade
Amor é um
Sexo é dois
Sexo antes,
Amor depois
Sexo é dois
Sexo antes,
Amor depois
Sexo vem dos outros,
E vai embora
Amor vem de nós,
E demora
E vai embora
Amor vem de nós,
E demora
Amor é cristão
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão
Amor é divino
Sexo é animal
Amor é bossa nova
Sexo é carnaval
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão
Amor é divino
Sexo é animal
Amor é bossa nova
Sexo é carnaval
Amor é isso,
Sexo é aquilo
E coisa e tal…
E tal e coisa…
Sexo é aquilo
E coisa e tal…
E tal e coisa…
Composição: Cilze Mariane Costa Honório, Rita Lee, Roberto de Carvalho e Arnaldo Jabor
* Evanilde Miranda - Acadêmica do curso de Letras pela UEMA
Acadêmica do curso de Jornalismo pela UFMA
Nenhum comentário:
Postar um comentário